Vampiro: A Máscara volta das cinzas em 2016 | JUDAO.com.br

Descontinuado em 2004, RPG que foi uma verdadeira febre na década de 1990 vai ganhar a sua quarta edição no ano que vem

Todo sujeito que, como eu, jogava RPG nos anos 90, não deve ter passado despercebido por uma das notícias mais surpreendentes da última semana: durante a GenCon, a maior convenção de jogos de mesa do planeta, realizada em Indianapolis, a Onyx Path Publishing anunciou que em 2016 vai lançar a quarta edição do RPG Vampire: The Masquerade, conhecido por aqui como Vampiro: A Máscara, na popular tradução da Devir.

Criado em 1991 pelo designer de jogos Mark Rein-Hagen, um dos criadores de Ars Magica, para a White Wolf Publishing (que, muitos anos mais tarde, cederia os direitos de seus RPGs de mesa para a Onyx), Vampiro: A Máscara foi o primeiro jogo do chamado Mundo das Trevas, que logo se ampliaria com jogos focados em outras criaturas sobrenaturais como Lobisomens, Magos, Fantasmas, Fadas, Múmias e Demônios.

Também foi o título inaugural do chamado sistema Storyteller. Muito mais simples do que as muitas tabelas que sempre caracterizaram o D&D e o GURPS, ele consistia em rolagens de dados combinando atributos (físicos, mentais e sociais) com algum tipo de habilidade específica. Numa luta, por exemplo, poderia ser força + briga para bater ou, quem sabe, destreza + esquiva para desviar da porrada. E tudo medido com bolinhas que iam de 1 (fraco) a 5 (excepcional). Além disso, duas diferenças fundamentais ajudaram a quebrar um paradigma para quem estava acostumado com o Dungeons & Dragons tradicional: os dados não eram os clássicos de 20 lados, mas sim de 10; e o Mestre passou a ser chamado de Narrador.

O tema do jogo era relativamente simples: os vampiros estão entre nós. Eles vivem numa sociedade nos bastidores do mundo dos humanos há milênios – desde Caim, filho de Adão e Eva, que se tornou a primeira criatura da noite quando matou o irmão Abel – manipulando cada um de nossos passos em seus jogos de poder. Eles são caçadores vorazes, provocantes, sensuais, envolventes. Têm poderes sobrenaturais, as chamadas disciplinas, correntes de aprendizado e desenvolvimento destas forças. E também ficam numa constante luta por sua humanidade (um dos itens mais fundamentais da planilha, aliás), evitando que sua fome os leve a um estado batizado de frenesi e que os torna cada vez menos humanos e cada vez mais bestiais, capazes de cometer o pecado dos pecados: a diablerie, o processo de se alimentar (e, neste processo, matá-lo) de um outro vampiro.

Vampire_01Divididos em clãs com características muito próprias – dos anárquicos Brujah aos aristocráticos Ventrue, passando pelos misteriosos Tremere, pelos selvagens Gangrel, pelos alucinados Malkavianos, pelos performáticos Toreador e pelos assustadores Nosferatu, isso só pra ficar nos sete clássicos – e vindos de diferentes gerações que definem a força de seu sangue, eles têm uma única regra que jamais pode ser quebrada: a Máscara. Eles jamais podem se revelar para um humano. E devem tomar muito cuidado antes de escolher quem serão as suas crias, aqueles que vão passar pelo processo do Abraço – quando o mortal morre, bebe o sangue de um vampiro e se torna, ele mesmo, um imortal, um recém-chegado chamado de neófito.

Além da versão inaugural, Vampiro: A Máscara teve duas revisões: uma segunda versão em 1992 (com mudanças pontuais) e a “edição revisada” de 1998 – esta última, marcada por uma espécie de reboot cronológico e posterior relançamento da maior parte do material suplementar (como os livros de clã) em nova versão. Em 1998, a White Wolf soltaria ainda um spin-off chamado Vampire: The Dark Ages, que era todo ambientado na Idade Média, um de seus poucos êxitos em uma época na qual as coisas começaram a apertar. Em 2004, no entanto, A Máscara foi descontinuado, para dar lugar a um novo Mundo das Trevas, que começou com Vampire: The Requiem.

Não se tratava de uma continuação: na verdade, a intenção da White Wolf com Requiem era aproveitar apenas o espírito do original, mas mudar completamente o rumo da prosa para tentar cair no gosto de uma nova geração de fãs. Embora elementos de A Máscara tenham sido aproveitados, Requiem tentou ser um pouco mais caçada sobrenatural, com um quê mais místico/religioso, e se distanciar um pouco do lado dos jogos políticos por comida e território. E por mais que até a New Line Cinema tenha se empolgado com o conceito e adquirido os direitos para transformar o jogo em filme (que nunca saiu do plano dos sonhos), Requiem não conseguiu, nem de longe, o sucesso de seu antecessor.

O caminho para a volta d’A Máscara começaria a ser pavimentado só em 2011, quando o jogo completou seus 20 anos de existência e a White Wolf lançou uma edição especial comemorativa – que, segundo pudemos apurar de maneira extraoficial, a Devir estaria planejando lançar ainda este ano no Brasil, depois de alguns longos e tenebrosos invernos. A tal edição de duas décadas não tinha nada de muito novo a não ser uma revisão das regras e um compêndio com uma porrada de material que, antes, tinha sido lançado espalhado por uma cacetada de suplementos. Mas fez um baita barulho e despertou os fãs de seu torpor (pega esta referência aê, mano).

Não se sabe muitos detalhes ainda sobre esta quarta edição, mas é fato que ela deixa Requiem de lado e retorna para A Máscara, mdando uma nova cara, revitalizada e adaptada para os novos tempos.

Além das versões para card game (Vampire: The Eternal Struggle) e para live-action, o RPG jogado ao vivo, com fantasias e fora da mesa (Mind’s Eye Theatre: The Masquerade), Vampiro se espalhou por outros cantos do universo da cultura pop. Virou uma adaptação em HQ pela Moonstone Books, um disco de trilha sonora chamado Music from the Succubus Club (Dancing Ferret Discs), um montão de livros de ficção estrelando cada um dos clãs, dois joguinhos da Activision (Vampire: The Masquerade – Redemption e Vampire: The Masquerade – Bloodlines) e até uma série de TV de vida curtíssima – a pavorosa Kindred: The Embraced, produzida pelo mesmo Aaron Spelling de Barrados no Baile.

Apesar de ser claramente uma versão modernizada da obra de Anne Rice com uma pegada mais gótica/punk, Vampiro: A Máscara teve também a sua dose de influência nas versões de vampiros que vimos por aí algum tempo depois – quem se acostumou à ambientação do RPG com certeza reconhece seus elementos nos filmes da franquia Anjos da Noite (Underworld) e mesmo na série True Blood, por exemplo.

Aqui no Brasil, Vampiro foi um sucesso estrondoso. Arriscaria dizer, aliás, que foi um dos principais disseminadores da prática do RPG a partir do começo dos anos 1990, atraindo um público que originalmente não se interessaria pelos ambientes de fantasia medieval que eram o padrão em outros sistemas. Nas convenções e encontros de RPG, Vampiro era a maioria e suas mesas eram disputadas à tapa.

Kindred... Ou Vampiro: A Série. o_O

Kindred... Ou Vampiro: A Série. o_O

Eu mesmo, nas terras de Santos, um adolescente do alto dos meus 13 anos de idade, já tinha lido O Senhor dos Anéis, já tinha jogado livros-jogos (saudades Encontro Marcado com o M.E.D.O. e A Cidadela do Caos), já tinha jogado GURPS... mas admito que só me tornei RPGista de fato quando comecei a jogar Vampiro.

Foi quando comecei a comprar uma porrada de livros. Quando comecei a montar histórias de personagens tão longas e profundas que poderiam facilmente se tornar um livro. Quando montei um grupo fixo de jogo – aquele que jogava todas as sextas-feiras, madrugada adentro, alimentado à base de pizza fria e esfihas baratas.

Aliás, acho engraçadão alguns bróders das antigas, meus longínquos parceiros do RPG santista, desdenhando desta notícia e estranhando a minha empolgação com a quarta edição do Vampiro: A Máscara.

Ué, por acaso Vampiro é coisa de moleque de 14 anos e quando, você cresce, resolve que só pode jogar D&D? Tipo metal que “ai, eu ouvia quando era adolescente, agora cresci e virei indie”? O tema ficou “infectado” pelas “meninas adolescentes” que amam “Crepúsculo e Vampire Diaries” (sério, eu li isso no Facebook de um conhecido)? Nada disso.

Eu ainda adoro a ambientação de Vampiro. A estrutura de clãs, os jogos de poder, o horror pessoal, cara, ainda acho que dá pra contar grandes histórias. Acho que tudo depende do olhar do Mestre/Narrador. Fico pensando, agora que tô mais velho, mais maduro, outra experiência de vida, eu teria capacidade de contar outro tipo de história naquele mundo. Um tipo de história BEM mais legal.

Tô até disposto, de verdade, a tirar da gaveta uma aventura em Las Vegas que tenho prontinha pra mestrar e que acabou nunca rolando porque, bem, todos os jogadores (eu incluído) viraram um bando de adultos chatos que casaram e agora têm que se preocupar com contas para pagar (true story, acontece com todo mundo).

É assim: vem novidade por aí. E estou, de verdade, esperando que eles deem o up necessário para que a A Máscara se torne mais contemporâneo (certas coisas, óbvio, envelheceram mal). Se acontecer, perfeito. Caso não aconteça, tudo bem. Eu simplesmente ignoro e sigo com meus livros velhos – que sim, ainda tenho, guardadinhos até hoje, esperando a hora certa de perderem a poeira e voltarem a me encantar.

Acho que, de uma forma ou de outra, Las Vegas me espera.